domingo, abril 01, 2007

O ascensorista

Grande merda!!!Já chegará a casa dos 40 e não conseguia pensar em uma ”qualificação” melhor ou mais abrangente para a sua existência. Já fora tudo na vida. Estudante, vagabundo, puto.

Acabou optando por se tornar ascensorista.

Por incrível que pareça existem pessoas que passam o dia todo subindo e descendo andares e escutando as mesmas músicas.

Mas inconformado, simplesmente matou...

Aconteceu que seu vizinho era do tipo garanhão. Ficava horas agachado no passeio, com aquele short ridículo, sem camisa, fumando um baseado, e contando como havia metido nas garotinhas do bairro.
-A Joana? Bem, peguei mesmo zé. Deixa eu te falar cara (soltava aquela fumaça fedorenta), ela tem a manha, faz de tudo, e bem viu?
– Mônica? Puta que o pariu, essa ai é a melhor...
E o vizinho ia assim, divagando sobre historietas cretinas.
Mas eis que o puro sangue evoca uma conhecida. Trouxe à conversa o nome de uma prima distante. Disse que tinha pego ela no mato da escola. Bem na horta.

Até brincou dizendo algo como pepino ou cenoura.

Pagou para ver. Foi até a prima e tirou satisfação. Era tudo verdade. A menina só negou a história dos vegetais. Isso já era mais que suficiente.
Então ele passou dias confabulando. Subiu e desceu milhares de vezes, sempre olhando para o chão. Sempre escutando aquela maldita música.
Conhecia bem quem as figurinhas que entravam no elevador. Prédio residencial. Zona pobre da cidade. Putas, traficantes, senhoras de idade, corretores de imóvel, enfim, tinha de tudo.
Esperou, esperou e um dos sujeitos mais mal encarados apareceu.
-Ai cara, sabe como é né, tem um vizinho meu dando em cima da...
-Te passo um 38. Você me da uma grana pro café, morreu assunto. Mas tem que ficar calado, senão você é que desce, tá escutando?
-Traz amanhã!!!

Arranjar a arma não foi difícil, foda mesmo é arranjar coragem.

Passou mais alguns pares de dias matutando. Tinha de ter um plano. Infalível. Olhou de longe a casa. Ficou observando o filho da mãe tomar café, preparar a carne de sol pendurada no teto. Limpar a merda do cachorro. As vezes até pensava que vivia uma vida melhor. Piedade? Que nada!
Pensou, penou, ponderou. Decidiu! Tinha de ser à noite. Assim que ele descesse do ônibus.

Naquele dia, as figuras que adentravam no elevador viram um substituto. Licença de um dia. Coisa rápida. Amanhã ele tá de volta.

Já era quase madrugada quando o ascensorista avistou o ônibus vermelho. Correu para atrás de uma caçamba de lixo. O vizinho vinha cheio de onda. Saltitante, mão no bolso, mascando fumo e pesando em sacanagem.

Bum!!!

-Filho da puta, toma essa. Hahahah!!!
Passou de um homem que subia e descia andares à um paranóico qualquer. No começo ouviu alguns comentários.
-Foi um assalto – dizia um vizinho.
-Vingança – especulava uma vizinha.
-Isso é tráfico – arriscava um terceiro.

Mas o ascensorista sabia bem o que havia acontecido.

Passou dias pensando. Sabia que tinha feito a coisa certa. Caras como aquele tinham que morrer. Mas por mais que tentasse não conseguia se perdoar. Afinal de contas quem nunca deu uns amassos na horta do colégio.

Ai veio a febre. Bebeu. Vieram os desmaios. Bebeu. Veio a loucura.
Foi obrigado a parar e pensar.
Não encontrou ouro adjetivo para a sua vida. Grande merda!

Enquanto isso o elevador subia e descia andares. Tocando aquela música maldita.

Um comentário:

Priskka disse...

Eu adorei este conto porque reflete como a rotina nos esmaga a ponto de nos tornarmos loucos e que, por isso, devemos sempre fugir dela loucamente! rsrsrsrs...